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Baixe esse texto em pdf: Por que sentimos que não estamos nos desenvolvendo

Sentir-se estacionado ou, ainda mais forte, estagnado, não é um “privilégio” de poucos. É um sentimento que tende a ocorrer nas fases como jovem adulto ou, principalmente, adulto. Imaginemos Cris, hoje casada, com dois filhos de 12 e 9 anos, e ela perto dos seus 38. Ela nos procura para discutir sua carreira e sua felicidade com ela, dizendo que não está se sentindo ‘eu mesma’ e que acha que não está vivendo uma vida que gostaria de viver. Como Cris poderia explorar este sentimento e encontrar uma ‘saída’ para sua estagnação?

Há duas formas de buscar explicações: nos fatores externos ou nos nas dimensões internas. E há duas formas de buscar respostas: ‘de fora para dentro’ ou ‘de dentro para fora’. A abordagem que conduzimos na Universidade da Pessoa® é a de propor uma revisão da nossa psicohistória na busca dos conflitos naturais do desenvolvimento que possam ter sido mal resolvidos, que estariam gerando padrões de ações e reações que muitas vezes permanecem num plano subconsciente, mas que continuam a reverberar em nossos pensamentos e sentimentos hoje, e estarão também reverberando ao longo dos próximos estágios de nossas vidas. Isto é, uma abordagem ‘de dentro para fora’. Essa abordagem ‘de dentro para fora’ segue o princípio geral de que ‘fenômenos humanos são biológicos em suas raízes, sociais em seus fins, e mentais em seus meios (Piaget).

Numa primeira análise, os sentimentos de Cris poderiam ter suas raízes na adolescência. Esse é um estágio em que começamos a nos preparar para uma jornada que conduziremos por nós mesmos, considerando a entrada para a vida adulta à frente. Como o que vem à frente é um terreno desconhecido a ser explorado, o principal recurso a ser utilizado é o sentimento de identidade.

Nesse estágio adolescente, enfrentamos os dilemas da construção do ‘quem sou eu’ em diferentes dimensões ou papéis a assumir: psicossexual, ideológico, psicossocial, profissional, de crenças e valores tanto culturais, existenciais e religiosos. É desenvolver um sentimento de clareza de que ‘este é o meu lugar’, nos diferentes papéis que assumiremos ao longo da vida. Será uma construção interna a cada um de nós, e que será obtida pelo equilíbrio entre as expectativas externas do meio social (‘o currículo’ que nos é imposto socialmente pelos pais, parentes, amigos, grupos, professores, etc.) acoplado com as disposições, desejos, necessidades, defesas, qualidades físicas e limitações da pessoa e as soluções que encontrou ao longo dos estágios prévios do desenvolvimento, o “currículo interno”. Um resultado positivo nesse estágio da adolescência é emergir com um sentimento fortalecido de convicção pessoal, por um sentimento de continuidade capaz de nos projetar à frente e estruturar uma ideologia suficientemente forte para definir um caminho significativo para nós. Ou sairemos desse estágio com forte confusão de papéis ou com uma identidade hipotecada. Se isso aconteceu esse sentimento terá influenciado o modo como Cris construiu ou está construindo vínculos afetivos, as relações de intimidade, de cooperação-competição, convicções quanto a liderar ou seguir, a alegria, entusiasmo e facilidade para participar em grupos e diferentes relações, próprios dos desafios da vida adulta. Pode ser que certos eventos “externos” expliquem o momento atual que vive, por exemplo, rompimento afetivo, casamento, desempenho frágil no trabalho, dificuldades em orientar os filhos, enfim, inúmeros. Mas, se nenhuma elaboração foi feita (e aparentemente não foi), então provavelmente Cris entrará no estágio que chamaremos de generatividade versus estagnação, também associado à “crise da meia idade”, com muito mais perguntas e dúvidas do que convicções, e o sentimento de estagnação crescerá. Esse é o momento que ela parece estar enfrentando. A figura 1 ao final mostra os estágios de desenvolvimento e a relação de Cris com eles.

Generatividade versus estagnação é uma idade crítica: é o estágio mais longo de nossas vidas. As demandas internas em cada um de nós nos coloca a necessidade de produzir, educar, ser criativo em alguma dimensão, cuidar das próximas gerações, demandas internas que buscam um sentido mais profundo de autorrealização. Gradualmente o foco em mim se desloca para fora. Tudo isso ganhando a força de apelos inconscientes que alimentam as perguntas e questões sobre o quanto estamos, ou não, estagnados. Cris, talvez, esteja iniciando uma nova crise que se intensificará em algum lugar entre seus 40 e 60 anos. Entrar nesta idade pode assumir a forma de revisitar os compromissos de identidade que a pessoa promulgou anteriormente, mas que já não se encaixam na situação atual da vida ou no sentido de si mesma. Consciente ou inconscientemente, a entrada neste novo estágio colocará em perspectiva as soluções de identidade de então, e temas importantes serão revisitados: como vem exercitando o senso de confiança e lealdade, seja nas relações afetivas e íntimas, seja consigo mesma; a identificação com certo conjunto de valores expressos num sistema ideológico maior ou político; como se insere e deixa grupos, associações e movimentos de natureza social; a escolha profissional e em que resolveu dedicar suas energias e habilidades para trabalhar e crescer profissionalmente; e também suas crenças de natureza espiritual (quaisquer que sejam) mas que reforçam um significado para o viver.

Mas, provavelmente, ao “acessar a Si mesmo” numa busca de “dentro para fora”, Cris compreenderá que tais sentimentos têm suas origens em estágios ainda anteriores. Ao refletir sobre o significado do primeiro estágio da sua vida poderá compreender sua relação com a fé em si e no futuro, sua certeza interna, o confiar ou desconfiar do mundo, naqueles que a cercam, e poderá descobrir algo a respeito da esperança, uma qualidade que nos ajuda a seguir adiante. São os primórdios do sentimento de que a vida tem um sentido. Também poderá olhar para sua força de vontade e autonomia, e identificar dúvidas e vergonhas, explorar seus sentimentos relativos a estar subjugada a controles externos versus sua independência. Poderá explorar a terceira idade, idade do jogar, do fantasiar, em se ver em vários personagens, e mergulhar no entendimento de suas forças para tomar iniciativas, ou inibir-se em culpas assumidas sem entender exatamente os porquês, minando seu senso de propósito e tornando-se receosa em assumir riscos. Se nada foi bem elaborado, terá culminado, em seguida, na quarta idade, com dificuldades para resolver os conflitos da industriosidade versus inferioridade, alimentando um sentimento de não ser tão competente para aprender e reaprender, ter métodos, sentir-se internamente pronta para desafios, para compartilhar tarefas e não se sentir deslocada. Tudo isso alimentará o seu emergir na adolescência na busca por uma identidade no início da sua vida adulta. Os desafios de construir seu sentido de “eu” foi influenciado pelos grupos aos quais se juntava e afetaram a construção da sua teoria sobre si mesma, quem sou eu, o quero ser e em que medida sua identidade ainda continua hipotecada, em moratória, difusa ou realizada. Se Cris a tem realizada, talvez seu sentimento de estagnação tenha razões outras e os estágios atuais e os próximos que virão merecem atenção.

De novo, há duas possibilidades para compreender o que influencia tal sentimento de estagnação: fatores externos e fatores internos. Certos fatores externos podem desencadear tais sentimentos como, por exemplo, os últimos anos desse Brasil, quando as condições sociais, econômicas e políticas trazem um profundo sentimento coletivo de que as coisas não caminham. As configurações sociais do nosso mundo já produzem sintomas sociais alarmantes, como a crescente tendência para a depressão, suicídios entre jovens e idosos, problemas de saúde por maus hábitos e baixo autocuidado, e nos coloca a questão sobre como compreender as maneiras como a sociedade, tecnologia e modos de viver se configuram e como os indivíduos se organizam nela.  Mas, “pequenos fatores externos” também podem afetar: imposições, maus tratos, demissões, pressão de figuras de autoridade, da família, do grupo social, crise matrimonial ou de vínculos afetivos enfim, inúmeros. Os fatores internos à pessoa precisam ser compreendidos numa perspectiva psico-histórica. No entanto, o quanto há de predomínio dos fatores externos versus fatores internos é bem mais uma questão de que perspectiva assumir. Afinal, se me sinto estagnado, hoje, um adulto, onde colocar a explicação de tudo isto?

O CURRÍCULO EXTERNO VERSUS CURRÍCULO INTERNO, E NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA.

Nosso crescimento acontece ao longo de tensões ou crises naturais (princípio epigenético ) de um “confronto” entre o currículo interno de nosso desenvolvimento e o currículo externo que o “social” entende que deve ser cumprido. Soluções equilibradas e saudáveis geram virtudes, outras soluções geram más adaptações. De outro lado, nosso amadurecimento também desenvolve diferentes graus de consciência social. Dois deles tendem a predominar na idade adulta: a mente socializada, onde o “externo” dita regras, e a mente autoral, onde a pessoa compreende e equilibra critérios internos com as relações que estabelece com as regras do ambiente . Pessoas ainda no estágio da mente socializada parecem não reconhecer em seus diálogos internos uma voz própria e, assim, tendem a guiar suas ações pelo que é socialmente definido: os objetivos parecem bem mais ditados pelo ambiente. A mente autoral assume seus próprios propósitos.

Cris parece estar oscilando entre as duas “mentes”. Reconhece seus “chamados” internos, mas talvez, ainda, não os elabora por si mesma. A continuar assim, talvez Cris vá levar uma vida em “modo de sobrevivência”, encontrando justificativas cada vez mais elaboradas para suas condições de vida. Poderá desenvolver sentimentos de menos-valia, de sentir sua vida desperdiçada, e de não ter tanta confiança e esperança em seu futuro. Afetará a educação dos filhos, no como transmite fé, esperança e confiança para eles. Ou não, poderá querer liberar-se de pensamentos e teorias insatisfatórios do “quem sou”, e reorganizar seus padrões, dando respostas para buscar viver uma vida plena. Como diria o senso comum, manter um ou buscar o outro, o esforço é o mesmo. Na proposta da Universidade da Pessoa®, o caminho do eu-autoral é de dentro para fora.

Fig1. Estágios de Desenvolvimento, ou as Oito Idades do Homem – Erik Erikson.

Erikson – Identidade: Juventude e Crise – se vale da biologia para propor que nosso desenvolvimento psicossocial também segue ‘um plano’.
Kegan, R. In over our heads. Harvard University Press, 1995.

Autor: Marcos Luiz Bruno

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