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Baixe esse texto em pdf: A idade escolar – educação e tecnologia

Reflexões sobre “Idade Escolar e Identificação da Tarefa”, parte do livro Identidade – Juventude e Crise, de Erik Erikson

Parece cada vez mais atual e pertinente conhecer, estudar e entender a Teoria de Desenvolvimento Psicossocial proposta por Erik Erikson que, em linhas gerais, descreve oito estágios psicossociais desdobrados em oito idades, que vão do nascimento à morte.

Cada estágio é marcado por uma crise psicossocial básica entre uma vertente bem sucedida e uma mal sucedida, e o modo pelo qual essa crise será solucionada apresentará repercussões e consequências nos estágios posteriores e nos conflitos futuros.

Além dessa conceituação peculiar sobre a crise, Erikson enfatiza o conceito de identidade formado durante os quatro primeiros estágios e busca na Biologia o principio epigenético (o desenvolvimento ocorrendo em etapas sequenciais e bem definidas) para reforçar a importância da contribuição de cada estágio para a formação da personalidade total.

A quarta idade, motivo destas reflexões, enfoca a Diligência versus a Inferioridade, marcando os momentos finais da infância e preparando o individuo para o enfrentamento da adolescência.

Em sua teoria, Erikson estabelece o desenvolvimento numa perspectiva biopsicossocial, considerando as predisposições psicológicas para cada estágio e as elaborações das crises nas relações socioculturais em que o individuo esteja envolvido.

É com base nesse pano de fundo e, especialmente, do que é mostrado em “Idade Escolar e Identificação da Tarefa”, parte do livro Identidade – Juventude e Crise, de Erik Erikson, que surgiram as reflexões que apresento à sua leitura.

É inegável que a tecnodependência atinge a todos, cercados que somos por aparatos que deveriam, ao menos na teoria, facilitar nossas vidas. Exemplos não faltam, desde o acendimento automático dos fogões, passando por dispositivos de controle remoto, correção automática de textos e o contato imediato com pessoas distantes por sofisticados, e ao mesmo tempo simples, aplicativos baseados na tecnologia da informação.

Crianças parecem aprender intuitivamente como manipular seus aparelhinhos com desenvoltura; adultos já não carregam dinheiro para pagar suas compras e idosos superam as deficiências naturais e típicas da idade, com próteses de todo tipo que, aliás, dão sobrevida a atletas acidentados ou prejudicados desde o nascimento.

São exemplos que não surpreendem, pelo tanto que a tecnologia já se incorporou ao cotidiano. Entretanto, nossa convivência nem sempre será tão pacífica ou agradável, seja pela intervenção implacável da natureza ou por nossa incompetência em lidar com as novidades. Que, por sinal, não são tão novas assim, se olharmos com atenção e cuidado.

Esse olhar atento e cuidadoso às coisas à nossa volta pode nos fazer entender que o que chamamos de tecnologia não se resume ao universo eletrônico, mas a todo aparato que acrescente força e inteligência ao esforço humano. Tecnologia existe em qualquer sociedade ou cultura, independentemente de seu grau de evolução, com origens muito diferentes como a necessidade, a curiosidade, o utilitarismo, a oportunidade, o acaso, a comodidade e a preguiça, ou tudo isso junto de uma vez só.

O que se observa e se comprova é que as “novas tecnologias” são menos inovadoras ou originais do que se costuma apregoar. Excetuando as que são formadas pela combinação de ferramentas totalmente distantes entre si, a maioria dos produtos tecnológicos que consumimos é fruto da evolução de algo já existente, que vai da faca de pedra lascada à lâmina afiada a laser.

Cada nova faca representa um passo, ainda que pequeno, na evolução da ferramenta, e suas diferentes versões provavelmente conviverão durante um longo tempo, enterrando a falsa premissa de que novas tecnologias aposentarão as que já existem. O lápis e a caneta estão lado a lado com os processadores de texto; a mídia impressa se complementa com as versões digitais; o teatro divide o espaço do entretenimento com o cinema e a televisão; ainda leva tempo para que os serviços sob demanda e com baixa regulamentação substituam seus similares já estruturados e controlados por corporações de ofício.

TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO
A tecnologia é representativa de histórias e culturas distintas e fruto da engenhosidade humana, poderosa a ponto de transformar a comunicação, vocabulário e repertório de comportamentos, com os previsíveis impactos nos relacionamentos.

As facas de diferentes gerações respondem à necessidade de o ser humano cortar coisas com menos esforço, e parece não haver dúvida que o resultado desejado será bem melhor se for possível usar o modelo mais recente.

Os povos alfabetizados se caracterizam pela especialização das carreiras, estendida aos que transmitirão instrução às crianças. A alfabetização é o passo inicial para que elas alcancem gradativamente novos patamares de conhecimento, preparando-as ação ao se tornarem jovens adultos.

Por sua vez, os povos não-alfabetizados mostram outra possibilidade de instrução. O conhecimento é transmitido por meio dos adultos mais experientes e pelo contato direto com situações que estimulam ao uso de ferramentas e utensílios de forma prática e imediata, e a desenvolver competências que lhes servirão durante toda sua vida.

Considerando as peculiaridades de cada categoria, a criança que nasce já encontra um mundo tecnológico pronto, que se incorpora de modo fácil e intuitivo à sua vida, sem surpresas e sem necessidade de esforço para seu entendimento. O que há pela frente é uma ampla gama de possibilidades de melhorar o que existe e caberá a ela explorar como fazer isso, por meio do que e de como aprendeu.

Também o sistema educacional estará pronto para receber a criança, com a diferença que ela precisará adaptar-se na maior parte de sua vida escolar. São exceções os modelos educacionais que buscam adaptar-se ao que a criança é e o que se pretende que será. Em sua maior extensão, os modelos já prontos não lhe proporcionarão tudo o que precisa para enfrentar o que vem pela frente.

É quase óbvio dizer que quanto mais complexa a tecnologia embutida em um artefato, mais evoluído será o sistema educacional que originou sua confecção ou uso. Entretanto, é necessário manter presente que cada sociedade sempre buscará o método que melhor atenda à sua história e cultura, se estruturando de uma forma própria para transmitir e disseminar a instrução que deseja que suas crianças recebam.

As recorrentes crises econômicas, politicas e sociais produzem ondas migratórias de refugiados de povos não-alfabetizados que, ao serem recebidos em sociedades alfabetizadas, tem poucas oportunidades de usar a tecnologia que conhecem. Tampouco são competentes para lidar com a tecnologia predominante em seu novo ambiente, o qual pouco ou nada oferece para preencher essa lacuna, aumentando a distância entre alfabetizados e não-alfabetizados.

Outro aspecto a se observar diz respeito ao mercado de trabalho, cuja natureza é impactada frequentemente pelas transformações econômicas, políticas, sociais e tecnológicas.

Depois de anos de instrução, novos ingressantes são incorporados a um ambiente em que é necessário apresentar resultados rapidamente. De um lado, pessoas que se habituaram a uma aprendizagem gradativa para então praticar o que aprenderam; de outro lado, líderes que quase sempre não estão acostumados a ensinar ou estão pouco preparados para uma instrução sistemática.

A DILIGÊNCIA x A INFERIORIDADE
A quarta idade, dos 6 aos 12 anos de idade, enfoca o conflito entre Diligência e Inferioridade, forma a base para a vida adulta produtiva e dá à criança uma antecipação psicológica do que acontecerá quando estiver pronta para se tornar um progenitor biológico e provedor de fato.

Na transição da casa para a escola, a criança aprenderá a conhecer e experimentar um novo ambiente; a perseverar e adaptar-se a regras e formatos da educação sistematizada e da tecnologia; a conviver com novas formas de aprendizagem; a distinguir entre o lúdico e o instrumental; a trabalhar em conjunto, experimentando, planejando e repartindo; a dominar habilidades que lhes permita fazer coisas com qualidade.

O contraponto deste estágio é o sentimento de Inferioridade, desenvolvido pela criança por não ser reconhecida pelo que fez, tornando-se inadequada ao meio e refratária ao conhecimento, originado por diferentes motivos : solução insuficiente do conflito precedente; preferir estar mais com a mãe do que estar na escola; não ter sido preparada pela família para enfrentar a escola; a  escola não reconhecer as coisas que fazia bem nas fases anteriores ou não despertar seu potencial de fazer coisas; ser vítima das diferenças familiares, sociais e culturais.

A EDUCAÇÃO
Num estágio em que acontecem marcantes transições biopsicossociais, da infância para a adolescência, e da casa para a escola, as crianças gostam de ser obrigadas a fazer coisas, o que lhes dá um sentido simbólico de participação no mundo adulto, conferindo importância ao papel dos professores e dos modelos educacionais.

Cabe aos professores buscar a confiança dos pais e desenvolver nas crianças esse sentimento que as levará à identificação positiva com quem sabe coisas e sabe como faze-las. Os modelos educacionais se dividem entre os que reproduzem a inflexibilidade adulta e a ênfase no rigoroso senso de dever quanto à execução, e aqueles que veem a escola como uma extensão da tendência das crianças de descobrirem as coisas pelos jogos.

Há, por fim, o desafio de selecionar e treinar professores capazes de alternar jogo e trabalho, diversão e estudo e a entender ritmos diferentes de aprendizagem capazes de evitar ou reduzir o perigo do sentimento de inferioridade.

Do que foi dito até agora, se constata que a educação e o domínio da tecnologia constituem pontos de inflexão na evolução individual e, por consequência, no desenvolvimento sociocultural de um povo, seja alfabetizado ou não-alfabetizado.

Erikson alerta para a distância que há entre muitas crianças e a tecnologia, por conta da desigualdade social e dos métodos educacionais retrógrados. Em nosso “mundo liquido” e altamente dependente da tecnologia, a equação se inverte, mostrando os menos favorecidos quase sempre excluídos das oportunidades de acesso a métodos educacionais mais avançados e desenvolvimento do domínio tecnológico. Sua previsão otimista de que parte da rotina humana venha a ser deixada para as máquinas, e com isso vir a buscar maior liberdade de identidade para um segmento mais vasto da humanidade, ainda está para se confirmar.

De qualquer modo, sua principal afirmação serve como alento para todos que se importam com o desenvolvimento do ser humano: O ser humano é o animal que aprende, que ensina e que, sobretudo, trabalha. A contribuição escolar para um sentimento de identidade está na frase: “Eu sou o que posso aprender para realizar trabalho.”

Autor: Fernando da Mata

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